terça-feira, 28 de setembro de 2010

Choro pela vida que deixei (3/4)

Terceiro Choro: Pelo monte ao amanhecer

"O homem superior pensa no seu caráter; o homem inferior pensa na sua posição. Ao primeiro preocupam as penalidades pelos erros, e ao segundo, os favores."

Textos Confucionistas

III:I

Levanta-te e toma tua mulher e filhas

Acorde, pois o cedo é tarde para o senhor

Tuas filhas não devem tardar pois há milhas

Tua mulher não deve tardar em se compor


Escapa por tua vida que em risco está

Não olhes para trás de ti e não pares em toda

A campina por onde está para acinzenta

Para que não pereças antes da boda


Boda da vitória do senhor bondoso

Festa da morte daqueles dessa cidade

Pessoas que homens diriam ascoroso


Escapa lá para o monte antes que seja tarde

O tempo se esgota e logo acaba a viagem

O solo da cidade irá por algo que arde


III:II

Eis que, agora, o teu servo tem achado graça

Engrandecestes tua misericórdia

Para guardar toda a minha fraca alma em raça

E em seu amor ser guardado sem ter algum dia


Mas não posso escapar no monte com o medo

Do mal me apanhar e me levar para fora

Desse mundo e a morte conhecer o segredo

E então conhecer a verdade aterradora


Afastarei como o pedido apressado

Para uma pequena cidade que é bem perto

Para que vivo fique e bem abençoado


Por ser refúgio de minha família

De Zoar a pequena cidade chamarei

E sairei da cidade com bem ervilha


E quando saiu o sol sobre a terra, entrei na cidade enquanto o fogo e enxofre do céu caíram sobre as cidades em que o bem era uma ervilha e o mal era grande.

Amigos mortos, familiares mortos, vizinhos mortos. Aquele senhor que bebia vinho e com felicidade contava da sua mocidade, morto. O rapaz que trazia o vinho de longe, morto.

E pelo calor da morte das cidades de fogo, minha mulher olha para trás, descumprindo o que os varões disseram, e em uma estatua de sal, ela se tornou.

Choro pela vida que deixei (2/4)

Segundo Choro: Os chamados de fora

"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz."

Platão

Antes de deitar-nos, uma grande confusão tomou conta das ruas. Por elas estavam, com os olhos sedentos, desde o mais moço até o mais velho, todo o povo de todos os bairros. O que querem todos? Eu, sempre tentei me manter como um homem respeitoso nessa cidade.

Caminhei de cabeça ao alto. Dei-me genros e nunca cometi um crime contra meu senhor. Como tamanho montante de homens estão aqui, à frente te meu lar, lar de minha esposa e filhas? Lar humilde, lar onde lavei os pés daqueles que chegaram nessa cidade, com os olhos para o céu?

II:I

Meu caro senhor. Abra essas portas fechadas

Onde estão os varões que vieram nesta noite?

Traze-os fora a nós, para que sejas achadas

Como conhecidos dos homens nesta noite.


Pelas ruas de Sodoma andaram à tarde

E em sua casa seus pés puros lavaram

Com bocas limpas nos fizeram vir a alarde

E suas belezas distantes nos trouxeram


Conhecer esses homens devemos agora

Traga-os para fora e nos olhos veremos

E em suas peles tocaremos com demora


As ruas estão cheias com homens certos

Não deveis ter medo por eles que vieram

Pois viemos até aqui ver seus rostos


O olhar diferente dos habitantes da cidade ganhou prosa e se espalhou pelas bocas e pelos ouvidos dos homens. Homens que estão chamando meu nome para ter meus hóspedes. Hóspedes que são tão diferentes. Hóspedes que lavaram seus pés cansados na água de minha casa. Hóspedes que comeram de minha comida.

II:II

Meus irmãos, rogo-vos que não façais mal

Vejo seus semblantes vendo minha casa

Vosso pedido, ao meu ver, não deve ser normal

Outra criação de nosso senhor não atrasa


Eis aqui, duas filhas tenho, que ainda

Não estiveram a deitar-se com nenhum varão

Por favor, homens, pensem sobre sua vinda

Pois ofereço o que diria: não terão.


Mas somente nada façais a estes varões

Porque por isso vieram abaixo para

À sombra de meu telhado cuidar de vilões


Justo sou com os estrangeiros que em casa

Iriam dormir, se vós não estivésseis com

Desejos por esses dentro de minha casa


II:III

Saí daí meu senhor, e abra tu logo a casa

Não queremos ouvir falas vazias

Não queremos ter sua lamentação rasa

Não continue com essas tais ousadias


Como estrangeiros, estes indivíduos

Vieram aqui habitar e querias tu

Tu que és um velho de resto, apenas o resíduo

Do homem que um dia foi novo, leal e cru


Querias ser juiz em tudo, oh velho?

Não deves e não és nada além de injusto

Pois a verdade em nós é apenas espelho


Agora velho, te faremos mais mal a ti

Do que a eles, pois recusa nosso simples querer

E de tua casa saíram em frenesi


E então, todos os homens, desde o moço até ao velho, aproximaram-se para arrombar a porta de meu lar, lar de minha mulher, de minhas filhas e sombra onde meus hospedes iriam deitar-se para seguir a viagem para o lugar que estiveram a olhar.

E os seus olhares brilham mais que os olhos da virgem mais bela que já andou por essas terras esquecidas por Jeová. Brilham mais que a estrela mais brilhante da noite. Brilham mais que a luz do sol que ultrapassa as pegadas brancas do senhor divino. Brilham mais que os olhos dos varões, que com força tentariam entrar em minha sombra, não aguentaram continuar a ver. Luz tão forte e bela que os olhos não queriam mais ver, pois tudo que poderiam enxergar seria sempre mais feia. E perdidos com a luz ficaram. E andando sem rumo em busca da luz que da porta de minha veio ficaram.

E para dentro de minha casa os homens de olhar claro como nunca me puxaram para me dizer sobre o que deveria ser e fazer

II:IV

Tens alguém mais aqui? Teus genros, e teus filhos

E tuas filhas, e todos quantos tens nesta

Grande e cruelmente cheias de empecilhos

Cidade que com terror e medo infesta


Tira-os fora desta cidade nefasta

Pois vamos destruir este lugar como

O senhor manda. Tal vida já se desgasta

Quando diz ao grandioso uno – não retomo


Porque o seu clamor tem engrossado diante

Da face do senhor maior, uno e sábio

E verás a cidade apenas fumegante


O terror e o medo nessa cidade serão

A única coisa que sempre se registrará

O querer do uno e a morte virão à multidão


Pela cidade, junto de minha família, fui. Cegos pela luz, os homens corriam perdidos. Poucos não estavam entre os varões que foram a minha casa. Amigos, irmãos perdidos sem salvação pela luz daqueles que trouxeram a mensagem do senhor. Mensagem de destruição e morte.

Por que, oh anjos do senhor, perdoe seus filhos que, com sua beleza infinita se perderam. Tantos morrerão sem como se salvar, tanto de sua fúria quanto de seu julgamento.

Se há justos entre nós, por que escolhes a mim? À minha família? Não sabemos o que havia com os outros justos que não viram seus arautos. Estavam cuidando de algum doente? Estavam falando de suas palavras? Estavam trabalhando para poder viver nesse lugar para o qual fomos mandados por causa de nossos antepassados feitos a tua imagem? Quem saberá oh uno?

Prezo pela minha vida assim como todos. Mas o pecado deles é meu pecado? O pecado dos meus pais são meus pecados? O pecado de meus avós são de meus pais e meus? Não conheci os pais de meus avós e não conheci nem ao menos o nome dos avós de meus avós. Devo pagar pelos pecados de quem tem ou teve meu sangue? Devo pagar pelos pecados do meu vizinho? Devo pagar pelo pobre que não foi acolhido ao chegar na cidade?

Devo pagar por aqueles que viveram mal? Por aqueles que viveram bem, mas que morrerão como os ruins? Não quero morrer oh senhor, mas não devem os justos morrer. Não devem os injustos morrer sem saber de suas injustiças. Chamarei como os arautos do senhor mandaram. Meus genros. Mas a morte ou a vida serão decidas por quem? Sem saber de seus erros?

II:V

Teu velho que guardou os homens da luz que cega

Tu trouxeste estrangeiros e eles da morte falam

Não nos cegamos e estamos vendo tal nesga

Entre esses terrenos de morte que exalam


Não zombe tu de nós, pois nós zombamos de

Tu com essas ideias dos estrangeiros

Estrangeiros loucos e falsos de verdade

Estão os perdidos dizendo ser feiticeiros?


Rio de tí velho crente dessas piadas

Acredita em tudo que te dizem mesmo se

For uma mentira que cause uma risada


Saia pela porta que entraste antes de

Contar aquilo que nos fez rir como nunca

Pois não iremos jamais com sua tal verdade

Choro pela vida que deixei

Primeiro Choro: Passos deles em uma cidade dos outros

"A virtude não passa de uma tentação insuficiente."

George Bernard Shaw

Ao anoitecer na língua do mar - onde o sal protege a carne, onde o Jordão jorra a água que nos dá a comida tão cara, tão suave e tão santa. Tão santa que sem ela o sal secaria nossas vidas, nossos amores, nossa força e nosso triste caminhar longe do paraíso perdido. Tão santa que os próprios anjos devem beber de sua fonte – Dois varões entram a porta de minha humilde cidade.

Suas fisionomias são estranhas a nossos olhos. Andam levemente enquanto passam pelas portas de nossa cidade. Seus passos fazem as pessoas deixarem o que fazem para vê-los.

E andam, observando com um olhar estranho as pessoas. Todos os olham nos olhos. Todos querem tê-los. Todos querem tocar suas peles. Seus rostos. Seu corpo.

Quem são os homens que andam pela cidade enquanto anoitece? O frio chega e eles não terão onde ficar. Quem são esses homens que atiçam a curiosidade e o desejo de todos? Na rua é muito. Não devem ficar com o povo, que perversamente farão o que desejarem. Quem são esses homens que parecem ter bebido da água do Jordão, como anjos?

I:I

Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos,

Em casa de vosso servo e passai nela

À noite, e lavai os vossos pés, e levantei-vos

Pela madrugada seguirás com cautela


Não meu bom homem. Não deves se preocupar

Pelas terras de Jeová chegamos aqui

No solo dessa rua ficaremos a acampar

Durante a noite fria vendo o alto daqui


Não deverias olhar aos céus sendo homem

Apenas anjos e o próprio senhor olham

Venham à minha casa. Onde todos comem.


Iremos então bom senhor e entraremos

Em sua casa. Comeremos seu banquete

Pois tu porfiares conosco. Então vamos.


E então trouxe aqueles homens que olham para os céus como se fosse seu lar para minha casa, para que lavassem seus pés, sujos da viagem longa que eles deveriam ter tido. Para que comessem junto de minha família.